Rotina pesada de trabalho (quase 13h por dia), calor, salto alto, roupas apertadas, cantadas e ofensas. Engana-se quem pensa que a vida das modelos do Salão do Automóvel é simplesmente passar o dia sorrindo e posando para fotos.
Carros incríveis e mulheres lindas. O Salão Internacional do Automóvel de São Paulo chegou à sua 28ª edição trazendo cada vez mais tecnologia e inovação no setor, mas mantendo um velho problema: o assédio às modelos. Moças belíssimas, muito bem maquiadas, com cabelos impecáveis e roupas que nem precisam ser curtas ou justas para chamarem atenção. Nem as cobertas até os pés com vestidos de gala escapam dos olhares e suspiros dos visitantes.
Mas nem tudo é esse glamour que vemos nas nas fotos. As meninas chegam ao Anhembi às 9 horas da manhã para fazer maquiagem e arrumar o cabelo. Vão para os stands e lá ficam das 13h às 22h, com descansos que duram de 20 minutos a 1 hora, no máximo. Os cachês variam de $200 a $500 reais, dependendo da posição no stand.
Algumas ficam com o carro principal, em posição de destaque, geralmente em cima de plataformas que giram o dia todo – o que causa enjoo em boa parte delas. No último dia, domingo (9), era visível o cansaço das moças: os olhos já inchados, com maquiagem reforçada embaixo dos olhos, as pernas revezando o peso do corpo mais vezes e flagrantes de bocejos em efeito dominó pelos corredores. Muitas já resistiam em dar entrevista.
Valentina Piras, uma das apresentadoras do programa Papo Calcinha, do Multishow, está no seu terceiro Salão como modelo. Ela conversou comigo sentada dentro do carro em que estava e contou que já viu muita coisa no backstage: “Desde brigas entre as meninas pela posição de destaque, até as que desistem nos primeiros dias; já vi mulheres saírem chorando por causa do sapato apertado, ou porque não aguentam o assédio”.
Alías, o assédio é uma das principais reclamações das moças. “Eu mesma fiz só 5 dias do meu segundo Salão e desisti porque era assediada e não sabia me impor. Hoje não deixo ninguém me abraçar para tirar foto”, relatou Valentina. “Tem muita gente abusada, que vai além das cantadinhas de perguntar se a gata vem junto com o carro”, disse Aline Pierre, 23 anos. “Algumas brincadeiras até ofendem, mas eu dou risada e saio porque estamos aqui representando a marca e não podemos maltratar ninguém”, desabafa.
Com 29 anos e também em seu terceiro Salão, apontou outra situação frequente: “As pessoas misturam as coisas, ainda tem muita gente que confunde a profissão, fazem insinuações e até perguntam ‘quanto custa’. Falo o valor do carro e ainda retrucam ‘não, [quanto custa] você’. É complicado”. Alessandra refere-se às modelos “ficha-rosa”, conhecidas por trabalharem também como acompanhantes de luxo ou garotas de programa, estendendo o horário dos eventos.
Enquanto entrevistava uma das modelos, vi um homem abordando uma moça do stand, segurando a mão dela e ela acenando negativamente com a cabeça para alguma coisa que ele falava. Em seguida, ele tirou um cartão do bolso, que ela pegou depois de certa insistência dele e, disfarçadamente, saiu do stand, deu a volta no corredor e retornou, sem graça. Imagino que tenha saído para se esquivar do rapaz. Percebeu que eu tinha visto a cena e não quis conversar: “Não, não foi nada. Acontece. Está tudo bem”. Valentina contou ainda que já viu muitas modelos se sentirem desconfortáveis por estarem com quem é ficha-rosa: “Comigo nunca aconteceu convite para programa, mas já vi muitas que odeiam serem confundidas por estarem perto das outras”.
As modelos têm o amparo de uma equipe de seguranças que fica por perto, cuidando para que nada aconteça com elas ou com os carros. O produtor geral do stand da Peugeot, André Matos, falou que a marca teve “apenas” um caso, no carro destaque, justamente o que fica com um segurança do lado: “O cara veio para tirar foto com a menina e já chegou colocando a mão na bunda dela. Retiramos o cara daqui na hora. A instrução que damos a elas é correr para o supervisor e contar o que aconteceu, para dar tempo de buscar o cara. Mas temos que ficar atentos”, explicou André.
Das modelos com quem conversei, a maioria tem planos de estudar, seguir outra carreira, investir em projeto próprio. Aparentemente, está mesmo longe de ser esse glamour todo e o desgaste não compense para todas. Talvez precisemos conversar sobre respeito. Assédio não é elogio.
Fonte: Testosterona
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